Autonomia em tempo de pandemia – Instituto do Câncer Infantil

Autonomia em tempo de pandemia

A pandemia aflorou na sociedade o instinto médico e científico. Nunca se debateu tanto sobre medicações e estudos clínicos. Como sociedade, atravessamos gerações passivamente sem nos perguntar como os médicos fazem suas escolhas e hoje vejo especialistas em COVID19 em todos os recantos do país. Agora estamos no meio de uma avalanche de informações sobre o que fazer com a nossa saúde e como nos proteger enquanto sociedade. Qual medicamento é recomendado e eficaz? O Isolamento social funciona para conter a pandemia e evitar mortes? São perguntas que podem ser respondidas de diferentes perspectivas.

Pacientes me questionam como podem médicos especialistas terem opiniões tão divergentes sobre algo que deveria ser tão claro. A medicina é uma arte que alia a experiência pessoal à evidência científica que está em constante processo de evolução. A verdade de hoje pode ser a dúvida de amanhã. O tempo abre portas para afirmações sobre novos fatos, mas também fecha outras janelas de conclusões precipitadas. A medicina é um equilíbrio entre o velho e o novo e, no meio do caminho, pode haver muitas discussões e incertezas. Os princípios éticos que norteiam nossa profissão incluem a não maleficência, a beneficência e autonomia dos pacientes sobre suas alternativas e neste equilíbrio é que fazemos nossas escolhas e orientações médicas.

Talvez um dos benefícios desta polarização de visões que nos confunde e nos desperta a curiosidade é de que ela traz o compromisso de que o paciente assuma a autonomia sobre seu corpo. Isto ocasiona a necessidade de ter conhecimento aprofundado para tirarmos as nossas próprias conclusões. Talvez por isto, o debate esteja tão vivo na mídia, nas redes sociais, nos órgãos públicos e nas sociedades de classe. O paciente precisa entender os riscos e os benefícios de uma medida para que ele tenha autonomia para decidir o que é melhor para si.

O tempo é inimigo da perfeição e, infelizmente, numa pandemia o tempo não corre a nosso favor. A minha visão como pesquisador do Instituto do Câncer Infantil é de que precisamos ter cautela com soluções imediatas que coloquem em risco a população sem ter dados suficientes de que estas ações tenham benefício. Isto vale tanto para a prescrição de uma medicação quanto para políticas públicas de restrição. Quando os princípios fundamentais da não maleficência e da beneficência estão em xeque, o princípio fundamental da autonomia deve nortear nossas decisões individuais.